Música e as emoções

Começo com algumas pontuações importantes sobre o tema, a seguir.

Definir o que é e como acontece um Trauma Psíquico pode a princípio parecer complicado a quem tem pouca familiaridade com o tema.

É mais fácil compreender um machucado ou uma doença, quando apresentam sintomas visíveis: tosse, espirro, sangramento, dor aguda.

Agora, como é possível compreender uma dor, que não é visível, num primeiro momento e que não parece palpável? Grandes autores relacionados a psicanálise em algum nível trazem experiências, teorias, estudos, reflexões e práticas sobre isso. Nomes como Sigmund Freud, Carl Jung, Melanie Klein, Donald Winnicot, Donald Kalshed e até a Musicoterapeuta Mary Priestley.

Kalsched, usando definições de Freud, usa a palavra “trauma” para se referir às experiências que causam dor ou ansiedade, do ponto de vista psíquico, dor essa que é intolerável ao ego; experiências insuportáveis, descritas como aquelas que rompem ou ultrapassam as defesas do aparelho psíquico, que são descritas como proteções contra os estímulos. O trauma pode variar quanto à intensidade dessas experiências e assim gerar abalos.

Kalshed também usa definições de Winnicott para descrever as angústias e agonias, as classificando como primitivas, também como experiências inconcebíveis. E acrescenta o medo terrível à ameaça de dissolução de um eu saudável como ansiedade de desintegração.

Se o seu corpo ativa defesas de luta ou fuga, essa pessoa, que observará um ambiente em volta, aparentemente seguro, não vai compreender o que é aquela sensação de fugir ou lutar. Ela congela, sem compreender o que está gerando este comando de sobrevivencia, de maneira desordeira. Isso é um sintoma característico de Ansiedade.

Essa desordem altera a produção de hormônios, efeito físico sem razão aparente, pode ser compreendido como uma causa psíquica.

O ser humano tem um potencial para criar e realizar. Este potencial pode ser atrelado ou direcionado pela nossa fertilidade ou criatividade, pelo tempo e pela memória. Esse potencial em nosso ser se relaciona as caracteristicas abstratas que fazem parte do nosso movimento instintual. Podemos chamar este potencial de Libido. Por se relacionar as caracteristicas abstratas do instinto, entendemos que se relaciona a fome, sede, sono, sexualidade e em alguns casos, fé. A fé segue em discussões se é ou não um instinto básico, mas o levantamento dessa possibilidade vale a observação. E talvez uma descrição a parte.

Antonello e Gondar, colocam que quando as respostas de fuga ou luta são impedidas, a imagem do evento fica congelada, cria uma grande confusão nas pessoas, as impedindo de ter uma vida normal.

Uma programação acontecendo de maneira disfuncional.

Todo o fenômeno a cerca deste processo se chama Catexia, isto é, a libido fica investida num determinado acontecimento traumático, na maior parte das vezes, como por exemplo, um luto, um abuso sexual, autoritarismo, abandono, rejeição… Existem muitas vertentes e níveis de dores profundas. E o indivíduo não consegue ter energia suficiente para direcionar adequadamente às suas investidas afetiva-emocionais, realizar um trabalho adequadamente, desenvolver um relacionamento afetivo-intimo, ir em busca de algum objetivo mais intrínseco ao teu ser. Ou mesmo ser impedido de lidar com situação práticas e cotidianas, sem precisar ir além em questões existenciais mais profundas.

Fatos e eventos, desde o nascimento e até anteriormente, como o processo uterino, deixam informações marcadas no sistema psíquico do individuo. Essas informações podem ser chamadas de marcas mnêmicas.

Os sintomas traumáticos não são causados pelo acontecimento desencadeador em si mesmo. Eles vêm do resíduo congelado de energia que não foi resolvido e descarregado; esse resíduo permanece preso no sistema nervoso onde pode causar danos corporais e emocionais. Esse rompimento nas marcas mnêmicas é marcado por afeto, que fixa energia nas marcas e sempre que é revivido com intensidade provoca retraumatizações. O processo que libera essa energia fixada e ressignifica a marca de terror, é chamado de Descatexia.

A Descatexia ocorre na Psicanálise como parte natural do processo terapêutico a partir da fala e o assunto é muito comum a partir da ótica da Psicanálise e da Psicologia em geral.

Por conseguinte, em resumo, em vez de uma lesão no cérebro, Freud aventou que o trauma criava uma lesão na psique (uma cisão do ego) e que isso conduzia a um “segundo grupo psíquico” que se tornava uma fonte de resistência à cura. O mesmo processo pode ocorrer também na Musicoterapia.

Até aqui, é possível compreender, como funciona um Trauma Psíquico. Certo? É uma lesão, na nossa unidade lógica. Uma lesão abstrata. Tomar uma Vitamina C ou um Rivotril, não vai resolver a raiz da questão. Existem muitos remédios que auxiliam na administração dos sintomas. Reduzir ansiedade, não é a Descatexia. É um alívio de um sintoma.

Enfatizemos: Trauma não te deixa o ser humano mais forte. Trauma não melhora o carácter. E certamente, ignorar, é ineficaz para resolver.

Diferente de uma situação material, física, que requer intervenções físicas: um braço quebrado, onde geralmente o ortopedista imobilizará a área danificada e precisará de reabilitação fisioterapêutica, ou uma ferida, que será limpa e tratada, o processo de resolução do trauma, a Descatexia, precisará de uma intervenção sutil: processos psicoterapeuticos, musicoterapeuticos, arteterapeuticos ou terapias com funções semelhantes.

O tema muitas vezes parece adverso para a população, mas atualmente (este texto escrito em Maio de 2022), a arte busca trazer representações e compreensão no tema. Tornando possível uma melhor visualização e percepção de um tema que ainda há poucos anos, era algo quase incompreensível para o senso comum, ou muitas vezes, desmerecido.

Quando temos traumas, a tendência é que eles façam as escolhas por nós, as escolhas inconscientes que fazemos nos trazem mais sofrimentos e nos jogam mais fundo em processos de dor, do que em processos de cura. E reforçam a imagem do trauma. Todos nós temos nossas Dores, Amores e Horrores. Mas nem sempre, temos Clareza e Consciência disso. A fala da sua Escritora visa trazer Compreensão para essa questão até tempos recentes, socialmente ignorada e tida como questão de menor importância, ou até nenhuma.

O tema está em alta, nas mídias e no nosso cotidiano; interfere nos nossos relacionamentos, no nosso financeiro e sobretudo em várias camadas da saúde.

Este tema pode e merece ser destrinchado com mais profundidade, com ligações, comparações e relações. Inclusive, com a Música. Já que a Música pode representar os afetos… Mas isso pode ser assunto para uma sequência.

Referências:

MORAIS, A. A unidade da consciência e a consciência da unidade nas performances musicais. Per Musi Belo Horizonte, Vo. 2, 2000. P 30-49.

Lejarraga, A. Clínica do trauma em Ferenczi e Winnicott. Nat. hum. v.10 n.2 São Paulo dez. 2008. Versão impressa ISSN 1517-2430 http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1517-24302008000200005 (26/05/2018, 18:30)

KALSCHED, D. O Mundo Interior do Trauma: Defesas arquetípicas do espírito pessoal. São Paulo. Paulus, 2013.

ANTONELLO, D; GONDAR, J. As Diferenças na Memória no Âmbito da Obra Freudiana: contribuições à teoria do trauma. Psicanálise & Barroco em revista

Revista de Psicanálise, Memória, Arte e Cultura. ISSN: 1679-9887. 2012, Juíz de Fora. http://132.248.9.34/hevila/Psicanalise&barrocoemrevista/2012/vol10/no2/7.pdf (28/05/18, 00:55).

FADIMAN, J. Teorias da personalidade. São Paulo, HARBRA, 1986.

NASIO, J. Introdução às Obras de Freud, Ferenczi, Groddeck, Klein, Winnicott, Dolto, Lacan. Rio de Janeiro, Zahar, 1995.

BRUSCIA, K. Definindo Musicoterapia. Rio de Janeiro. Segunda Edição, 2000.

BRUSCIA, K. Improvisational Models of Music Therapy. Illinois (USA), 1987.

BARCELLOS, L. Musicoterapia: transferência, contratransferência e resistência. Rio de Janeiro. Enelivros, 1999.

http://www.apemesp.com/ (08/04/2017, 18:00)

http://www.portalcmc.com.br/feridas-escondidas-o-que-um-trauma-pode-causar-em-voce/ (26/11/2017, 17:00)