Desde que me formei, me pergunto se a musicoterapia que pratico condiz com o ano em que estou. Parece um tanto estranho, como se a musicoterapia fosse um software que atualiza a cada três meses, assim como aquele – não precisamos falar nomes – que de repente te deixa na mão nos momentos mais inoportunos. Para me fazer entender, em 2021 foi a primeira vez que refleti profundamente sobre minha prática clínica e reparei que a maioria das fundamentações que embasavam minha prática datavam de, no mínimo, 15 anos atrás. Nesse momento, percebi estar praticando uma musicoterapia “velha”.
A palavra mais adequada talvez não seja essa, eu concordo. Mas, para ser honesto, usei esta palavra para causar impacto e trazer você para a verdadeira reflexão que este texto propõe. Teorias, técnicas e ferramentas antigas são de fato muito úteis. Aliás, Sérgio Reis, com sua música “Panela Velha”, me mataria se eu dissesse o contrário. Entretanto, muitas vezes, e principalmente quando estamos falando da área da saúde, tornar-se obsoleto é um fato que não poupa ninguém, não importa o quanto você goste do autor ou da abordagem.
Quando estudamos a ciência, vemos que algo primordial em qualquer teoria é a possibilidade de refutação – que seria algo como discordar de uma afirmação. Deste modo, a tal “verdade absoluta” torna-se, inclusive, um ultraje ao pensamento científico. Falando em pensamento científico, um conceito que pode auxiliar nossa conversa é o de falseabilidade. Proposto por Karl Popper, ele descreve que “o único teste verdadeiro de uma teoria seria aquele que tenta falsificá-la”. De forma prática, o que Popper propõe é: como provaríamos que uma técnica musicoterapêutica funciona se ninguém se perguntasse “será mesmo que funciona?”
Antes de supor que esses questionamentos só servem para causar intriga, pense no que teria acontecido se ninguém tivesse questionado Andrew Wakefield. Estaríamos acreditando que vacinas causam autismo até hoje! Na verdade, acho que nem aqui estaríamos hoje. Agora, importante citar que a premissa oposta também é verdadeira, isto é, nem tudo que é recente ou moderno necessariamente é bom. Parafraseando o compadre de Sergio Reis em Panela Velha o “Moraeszinho” – panela nova também ferve, companheiro – ou seja, não mergulhe cegamente em teorias recentes, as vezes (ou quase sempre) a piscina é rasa demais.
O convite que faço é para que deixemos de ter técnicas e teorias de estimação e passemos a encarar a realidade de que, às vezes, um saudosismo desmedido pode sim prejudicar nossos resultados. Veja, não digo que todas as técnicas não recentes não servem para nada; muitas ainda seguem atuais. Entretanto, achar que nada está “ultrapassado” é um tanto irracional. Analisar nossas práticas com racionalidade e senso crítico é fundamental, e a melhor forma de fazer este ajuste de visão é pelas lentes imparciais da ciência.
Agora, não pense que, fazendo o que eu digo, os questionamentos vão parar. Ou que sou um ser ungido que não possui mais as incertezas, ora sublimes, ora cataclísmicas, que a prática clínica fornece. Carl Sagan deu a deixa quando afirmou que “crenças baseiam-se na profunda necessidade de acreditar”. Penso que, por vezes, essa necessidade é fruto de um desespero frente ao incerto e só restaria, portanto, acreditar. O macete, talvez, reside na semântica da última frase. Devemos utilizar estas incertezas como motivação para agir, ao invés de nos rendermos, e recorrer a crenças imutáveis. Não é simples, mas é um trabalho necessário, principalmente, na área da saúde.
Para mais, o que tento trazer neste texto é que em 2025 deixemos de ser acumuladores compulsivos de técnicas comprovadamente ineficazes e passemos a olhar mais para os tratamentos (sejam eles “velhos” ou “novos”) realmente eficazes. Como eu sempre digo, que a musicoterapia é uma ciência e por isso precisamos tratá-la como tal, hoje quero ser menos repetitivo. Que tratemos a musicoterapia como ciência, mas, acima de tudo, tratemos nossa ignorância.
Coragem, colegas. Feliz 2025.